“Quando o contribuinte deixa de pagar o ICMS, é a escola que fica sem merenda, falta medicamento lá na ponta”. Assim, o superintendente regional da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais (SEF-MG) em Contagem, Carlos Damasceno, descreve os impactos da sonegação de pelo menos R$ 90 milhões por uma gigante de embalagens de alumínio. Apesar do sigilo do processo, conforme apurado por O TEMPO, a empresa alvo de operação nesta quarta-feira (9 de outubro) é a Boreda, que tem sede na cidade da região metropolitana de Belo Horizonte. Procurado, o grupo empresarial ainda não se posicionou.
A operação coordenada pelo Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (CIRA-MG) foi batizada de “Héstia”, nome da deusa grega do lar, em referência ao fato de que os produtos da marca estão presentes na casa de grande parte da população. Ao todo, foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão em endereços de Contagem, Belo Horizonte e Nova Lima, onde foram colhidos documentos para embasar a investigação dos crimes de sonegação fiscal, associação criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Em coletiva de imprensa na manhã desta quarta, o promotor Fábio Reis de Nazaré disse acreditar que o tamanho do “rombo” causado pela empresa aos cofres públicos pode ser ainda maior do que os R$ 90 milhões já apurados, diante da quantidade de documentos físicos e digitais apreendidos na operação.
“Esse grupo já é investigado há mais de 10 anos pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela SEF, já tendo inclusive algumas pessoas condenadas, no ano de 2019, por sonegação fiscal. Mas, mesmo após a condenação, se constatou que o grupo continuava a praticar delitos semelhantes, com falsificação de documentos para simular aquisição e venda de produtos. Depois, constatou-se ainda que esse grupo acabou se ampliando com a aquisição de novas empresas, com a mudança do seu perfil de sonegação”, detalhou o promotor.
O esquema ocorria por meio de empresas falsas, de fachada, criadas em nome de laranjas. Com isso, eram estas empresas “fake” que declaravam o imposto, mas não faziam o pagamento dos tributos. “A operação teve muitos frutos interessantes, principalmente documentos encontrados na sede em que temos a demonstração clara, através de uma ata formal assinada pelos investigados, em que há a opção evidente de não pagarem os impostos para aumentar o capital de giro da empresa e os lucros repartidos pelos investigados”, completou Nazaré.
Ao todo, são investigados pelo esquema 20 empresas e oito pessoas, entre eles o proprietário da Boreda e os laranjas das empresas de fachada envolvidas. O TEMPOtentou contato com a Boreda por telefone, e-mail, WhatsApp e pelas redes sociais do grupo. Nenhum posicionamento foi emitido. Por telefone, uma funcionária informou, inicialmente, que seria necessário ligar na parte da tarde. Na nova tentativa, a ligação foi transferida para o setor de contabilidade e, assim que o repórter se identificou, o telefone foi desligado. O posicionamento será publicado assim que for enviado pela empresa.
Dinheiro enrolado em papel alumínio
Em um vídeo divulgado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), é possível ver o momento em que as equipes cumprem os mandados de busca e apreensão e encontram um grande bolo de notas de R$ 100 que estava escondido enrolado em papel alumínio, um dos principais produtos comercializados pela empresa.
Ainda conforme o superintendente regional da SEF-MG em Contagem, Carlos Damasceno, o objetivo da operação é identificar as pessoas que verdadeiramente estão por trás do esquema e que têm capital para pagar os tributos devidos, já que as empresas de fachada estariam no nome de laranjas que não possuem poder aquisitivo suficiente para isso.